segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Cinema Húngaro no Paissandu

Faz dias que queria um santo baixado pra escrever sobre o Cinema Húngaro, fui deixando, até que veio, pois conto agora apenas as estórias tangentes. O Cinema Húngaro, o Tcheco, fazia a nossa cabeça no século passado, oops, em 68-69, No final de 68, 69 descontávamos as pressões da ditacuja, aquela que nem ousávamos dizer o nome, tomando um chopp nas mesas de calçada do Paissandu e cochichando as ultimas dos nossos amigos caídos, daqueles que viram a morte, até mesmo as nem havidas como a do Fiúza, que só muito tempo depois soubemos que se passou por outro, passando a perna na PE, e em nós, que acreditamos piamente que ele e a Margarida haviam sido abotoados, enjaulados, sumidos nas malhas da polícia política, coisas que os húngaros tinham experimentado bem antes de nós, em 56 e sabiam levar ao Cinema. Era o tempo de desconfiar do garçom, da namorada nova do Haroldo, do pai de fulano, do cara parado na esquina fumando uma, até dos amigos que bebuns tocavam a campainha depois das onze da noite. Desassossegos. Mas pelo menos tínhamos o Paissandu pra ir, Cinema de avant garde, não ficava a mais que cinco quadras do ap nosso. Se dava, passávamos antes no Lamas do Largo do Machado, não esse restaurante pseudo intelectual de hoje, um outro, que na frente tinha uma frutaria, banca de fruta e atrás mesas de bilhar onde o Olivar perdia a grana da bolsa do CNPq e chegava mal das pernas em casa. Agente se socava, como bons Paraenses, 4 num quarto, um kit-net, muquifo na verdade, ap de quarto, sala e bem, uma saleta, onde grandes discussões de mudar o mundo aconteciam. Foi ali que fui apresentado, depois de um Dreher, ao Fernando Pessoa, por um outro Fernando que apelidamos de Fernando Doido, inveja creio, porque o cara tinha umas idéias geniais, filósofo como poucos e nem fazia Sociologia nada, era Geologia, acho. Não sei mais, mas lia Pessoa como se fosse banal, se te queres matar, dizia citando o outro Fernando, porque não te queres matar? O que queria isso dizer só me ocorreu quase no fim do século, em 1989...e ele já sabia antes, doido? Mas quando? Dos quatro que ali moravam, não muito longe de onde tinha morado Machado de Assis e portanto algum brilho literário haveria de ter caído sobre nós, ou não, três eram da Geologia UFRJ e eu, da PG do CPPN, Praia Vermelha. Rua Buarque de Macedo, esquina do Asteca, cinemão que a gente nunca ia porque “não era de arte”, só passava filme óbvio. Nós queríamos o indecifrável, o difícil, Goddard, Bergman, os Tchecos, Poloneses, agora todos clássicos, Katyn de Andrzej Wajda e os Húngaros. Estes então, nem o título Szegenylegenyek dava pra entender, um monte de consoantes dirigidas por Miklós Jancsó, 1965. Iamos ver de qquer jeito, assim viria o assunto para falar com os amigos, e as moças, claro. Novelas, nem pensar, e já existiam, as da Rádio Nacional, eram mais famosas. No Paissandu, tudo acontecia, fazíamos acontecer, as distribuições de panfletos, a organização das passeatas, o combinado de ir á Rua Montenegro prum mergulho no sábado, os conchavos, as ampliações e os encontros. Isto feito, o ultimo chopp com Stainheger, na ordem inversa, era virar num tapa e matar com o chope geladinho, o fígado, esse (que bom...) não existia, hoje sim, e me cobra a conta com juros, e não tem acupuntura, massagem, chá de boldo, alcachofra ou silimarina que dê jeito. O Stanheguer era de cachaça destilada, mas cachaça mesmo não estava na moda, o vinho de garrafão (Sangue de Boi?) da Adega da Rua da Passagem no Botafogo, sim, e os copos verdes, descolados, de garrafa que fazíamos cortar na Rua do Lavradio, ou as estantes bicho-grilo de tijolo e madeira.
Se era sexta, ainda dava pra pegar a última sessão de meia-noite, e se dos Húngaros, não dava pra perder. Qualquer dos magiares, Zoltán Fábri, Márta Mészáros, István Szábo caia bem, teríamos assunto... Os filmes a gente até achava que entendia, mas o exagero de acentos e consoantes isso num dava pra entender, Café Expresso virava KaffeeEszpressz, num desperdício de esses...Delta por Mundruczó, numa tradução mais iliterada daria Delta dos Mundurukus? Hoje tudo aquilo virou Clássico, intelectual, Cult, o que pra nós era o simples, o novo, o agora, o estar in. Temos saudades do Cinema Húngaro, mas devíamos perguntar a eles que retrataram a ocupação, a ditadura soviética, se eles têm saudades desse tempo.

OBS: quer mais? consulte a Cinemateca do MAM, Rio (http://www.mamrio.org.br/).

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